quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Amazonas

Acabo de regressar a civilizacao depois de 7 dias a subir (parte d)o rio Amazonas.

Sai de Manaus, a capital do estado brasileiro da Amazonia, na passada quarta-feira dia 28.

Depois de alguns preparativos iniciais, nomeadamente a compra de uma rede (para o que desse e viesse), comida e papel higienico, embarquei clandestino no Fenix, a minha casa flutuante para os proximos 7 dias. E porque clandestino?...
Estes ultimos tempos, tenho viajado com um casal, o Thomas (ingles) e a Tina (dinamarquesa), que conheci ainda no Panama, e que me disseram que tambem iam fazer esta viagem. Depois de alguns encontros e desencontros na Colombia e na Venezuela, reunimo-nos novamente em Santa Elena de Uarien (Venezuela) junto a fronteira com o Brasil. Depois fomos juntos ate Boavista e dai ate Manaus. Em Manaus andamos a pesquisar os barcos que subiam o rio ate Tabatinga, cidade brasileira onde agora me encontro e que faz fronteira com o Peru (para onde vou) e com a Colombia.

O barco para esta viagem tem duas opcoes: ou se vai numa rede, pendurado como um macaco no galho, ou entao aluga-se uma cabine (camarote) que tem ou uma cama de casal ou dois beliches, e uma casa de banho privada. Como eles sao namorados desde o inicio que decidiram alugar, para eles, no barco, uma cabine. Ate porque em termos de seguranca tambem e muito mais tranquilo ter um sitio onde guardar os items pessoais e valores, do que ter de os deixar junto a rede, onde qualquer pessoa pode ver e, eventualmente, alterar o conteudo.
Alugaram uma cabine por 700 reais. Este preco porque fomos ver o barco no domingo, e o pagamento foi feito logo na 2a. Se tivessem esperado mais um dia passava para os 800 reais. Para terem termo de comparacao, o preco de uma rede varia, mas nunca menos que os 300 ou os 320 reais no minimo.
O que combinei com o gerente do barco, e com eles tambem, foi o seguinte: para comecar deixo a mochila na cabine deles, para ficarem as coisas la guardadas, compro uma rede e penduro e, depois de iniciarmos a viagem, se houver lugares diponiveis nas cabines, muito bem, mudo para la, se estiver tudo vendido, terei que continuar na rede, de qualquer modo tinha sempre um sitio onde guardar os meus pertences em seguranca. Por isso digo que embarquei clandestino no barco, porque so depois de comecarmos a navegar e que comprei o meu bilhete.

Ja tinhamos passado por um local que se chama Encontro das Aguas, onde o rio Negro (de cor preta, parece cafe) que banha Manaus, se encontra com o rio Solimoes (de cor castanho, parece cafe com leite), o rio que iriamos subir ao longo destes 7 dias, quando voltei a ir falar com o gerente sobre este tema. Quanto ao Encontro das Aguas, neste sitio, as aguas dos dois rios nao se misturam imediatamente. Como tem densidades diferentes, os dois tipos de agua vao lado a lado ao longo de quilometros. Continuando, fui falar com o gerente e ele la me disse que havia uma cabine disponivel, e la negociamos os dois um preco razoavel.

Para mim foi muito bom pois tinha embarcado com febre e veio a revelar-se uma decisao correcta logo na primeira noite, em que acordei todo suado e tive que mudar de cama de um beliche para o outro. Imaginem ter que dormir numa rede molhada, com as costas encharcadas, ao frio e ainda por cima com febre... Alem disso, ter uma casa de banho privada, num barco com 250 pessoas a subir o Amazonas ao longo de 7 dias, nao tem preco! Por isso la desmontei a minha rede, sem nunca ter sido utilizada para dormir (embora me tenha sentado nela umas horas), e mudei-me para os meus novos aposentos.

Depois foi preciso reajustar o organismo para passar 7 dias fechado num barco, sem espaco para grandes actividades fisicas, com 3 refeicoes diarias (mais ou menos, depois explico melhor), e sem nada para fazer.
Regra geral, os dias foram passados a ler, escrever, ouvir musica e a contemplar o rio e as margens. Obviamente que nao se resumiu a isto: desde as refeicoes, ao falar com os passageiros e com membros da tripulacao, assistir as manobras de atracagem, embarque e desembarque de passageiros e cargas, ver golfinhos... houve tempo para muito.

A rotina diaria consistia em acordar e higienizar o corpo, e ir tomar o pequeno almoco. Como muitas vezes acordava tarde (as 8h, tardissimo....) muitas vezes ja tinham fechado a sala do pequeno almoco e tinha que ir a cozinha tentar arranjar alguma coisa para comer. Depois ia ler, ou escrever, ou ouvir musica, ou qualquer coisa que me entretesse ate ao almoco, servido a partir das 11h (e as vezes desde as 10h30, mas onde eu so chegava la para as 12h30), depois o mesmo: ler, escrever, ouvir, falar, observar... ate a hora do jantar, la para as 17h (embora muitas vezes comecasse as 16h30, e mais uma vez onde eu so chegava por volta das 18h). Depois do jantar era hora para ir ate a parte de cima do barco onde havia um pequeno bar e beber uma cerveja enquanto assistia ao por do sol e as maravilhosas tonalidades que ceu e nuvens assumiam no fim de tarde. Ler mais um pouco e ir dormir. Estava o dia ganho.

Quanto as refeicoes eram constituidas por:
Cafe-da-manha (pequeno almoco): cafe (ja com acucar), leite (ja com acucar) e depois, nos primeiros 3 dias houve pao, a partir dai e ate ao fim da viagem apenas houve bolachas salgadas que, exactamente por serem salgadas, nao sao muito boas de mergulhar no leite.
Almoco: umas vezes frango grelhado, uma vezes carne estufada, uma vez frango guisado, uma vez carne grelhada, uma vez feijoada, nunca peixe. O acompanhamento era sempre o mesmo: arroz, esparguete, feijao e farinha de milho grossa. Por vezes havia tambem salada a acompanhar a comida.
Jantar: umas vezes frango grelhado, umas vezes carne picada, duas vezes sopa que parecia do cozido (com massa e couves e carne e ossos e tudo numa agua de tonalidade duvidosa, mas saborosa). Os acompanhamentos eram os mesmos do almoco: arroz, feijao, esparguete e farinha grossa.
A comida era servida em self-service, cada um tirava o que queria.

O barco levava cerca de 250 passageiros, e apenas 5 turistas, eu, o ingles e a dinamarquesa e dois alemaes. Havia tambem 2 colombianos e uma peruana que voltava a casa, mas esses nao eram turistas. Tudo o resto eram brasileiros que viviam algures entre as duas cidades ou perto.

Chegamos a Tabatinga na terca feira as 3h30 da manha, como nem eu nem os outros queriamos sair do barco a essa hora, porque nao tinhamos onde ficar, acabamos por ir ate outro lugar onde o barco parou a seguir, Benjamin Constant, dai tivemos que apanhar uma lancha rapida de volta a Tabatinga, no fim da manha.

Curiosidades:
Em alguns sitios o barco nao para para as pessoas entrarem e sairem. O barco abranda, e depois ha uma lancha a motor que faz as vezes de taxi e transporta pessoas e bagagem para terra (so quando sao poucas pessoas).
Num dos portos uma pessoa saiu e ficou esquecida. Teve que contratar uma lancha para vir atras do barco e retomar a viagem.
Todas as mercadorias sao carregadas e descarregadas a mao, uma a uma, nao ha gruas nem monta-cargas.
Alguns barcos (nao o nosso) tambem fazem vendas pelas localidades onde vao passando, o que significa que se podem atrasar bastante. O nosso so tinha servico de frete, nao de vendas.
Maior parte dos passageiros a bordo sao familias, bastante das quais numerosas, e sempre com muitas criancas a correr por todo o lado.
Uma rede num mercado em Manaus custa entre os 15 e os 80 reais (esperem pagar mais uns 4 ou 5 pelas cordas para segurar a rede).
Estes marinheiros sao mesmo de agua doce. Nao sabem fazer nos. Acontece que ha muita coisa a flutuar nas aguas do rio, e muita materia vegetal, nomeadamente troncos de arvores (alguns enormes mesmo). De vez em quando o barco nao se devia a tempo e la ha um ou outro que bate no casco. Segunda feira a tarde, vespera de chegarmos, um tronco bateu no barco e danificou o cardan do veio do motor. O motor teve que ser desligado para se poder fazer a reparacao, mas estavamos em pleno rio. Entao la vai o bote a motor, com 2 la dentro e com o cabo de atracagem do barco (que por ser fluvial nao tem ancora) e tentam atar o barco a umas arvores. O cabo estica estica estica (ate perder toda a agua que tinha) e PAZ, o no que tinham feito escorrega e solta-se o cabo, e barco, da arvore. Continuamos a recuar, a descer o rio. Nova tentativa, vao apanhar a ponta do cabo e tentam ata-la novamente. Agora sem eu perceber muito bem porque o cabo solta-se de dentro do barco!?! Nem eu percebi como e que isto aconteceu. Terceira tentativa, vao outra vez buscar o cabo, atam-no mais uma vez, mas agora o barco ja tinha ganho alguma velocidade e mais uma vez o no e feito e mais uma vez o no escorrega... ta bonito. Por isso de momento desistem de amarrar o barco. Vamos entao a deriva por uma meia hora, no meio do rio, tal como se de um tronco gigante se tratasse. E olhem que iamos a uma velocidade apreciavel. Finalmente la o bote se coloca atras do barco e comeca a empurra-lo para uma das margens. Ai havia uma zona menos profunda em que o barco acaba por encalhar naturalmente, 2 saltam rapidamente e vao prender o barco e finalmente conseguem imobiliza-lo. Curiosidade tambem foi depois de solucionada a avaria, e desde que comecamos a andar novamente, demorarmos cerca de 15 minutos ate chegar ao local em que o motor parou e em que se tentou atar o barco pela primeira vez. Foi bastante tempo. Andamos muito para tras. Nao parece, mas a corrente e muito forte.
Ha muita muita agua no rio amazonas.
Ha muitas arvores tambem.
As araras fazem muito barulho e voam de forma atabalhoada.
Nao ha mosquitos no barco, repelente e desnecessario.
Como vamos com alguma velocidade ha sempre uma brisa (ou vento forte) a bordo. Quando paramos e que se nota o calor que esta!
Os escaravelhos voam muito e sao kamikazes.
Num dos dias a bordo celebrei o meu centesimo dia (100º) a viajar.
Ha cobertura de telemovel em alguns pontos da amazonia.
A agua em que os alimentos sao cozinhados, os pratos sao lavados e em que as pessoas tomam banho provem toda do mesmo sitio. Do rio. Tomar banho em agua castanha tem o seu que de especial.
A navegacao e feita dia e noite. A noite ha um holofote que ligam e desligam em curtos intervalos e que utilizam para se localizarem, verem o melhor sitio para passar (menos troncos, menos correntes, mais fundo).
O GPS existe, mas vai desligado o caminho todo.
A bordo de um barco tambem ha baratas.
Beber mais do que 8 cervejas numa noite pode dar mau resultado na manha do dia seguinte.

Este e o Fenix, e foi a minha casa por 7 dias
Panoramica geral dentro do convesO Encontro das Aguas entre os rios Negro e Solimoes

A sala das refeicoes
A Amazonia tem muitas arvores...
As fantasticas tonalidades que o ceu adquiria ao entardecer


Alguns dos ultimos passageiros a embarcar
Povoacoes ao longo do rio
O processo de carga e descarga

4 comentários:

  1. ora ora, que a amazónia tem muitas árvores já nós sabíamos :)
    tira lá umas fotos a umas coisas esquisitas!

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  2. Eu ja desconfiava por que é que os indios da Amazonia tem aquela tonalidade de pele... deve ser de tantas vezes tomarem banho nas aguas castanhas... sem o sabao macaco portugues. Tambem estas a ficar com a pele mais acastanhada?
    Um abraço

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  3. Amigo, estou a adorar as tuas descrições,mas ja estou como o Bonniz: para quando uma fotografia tua para o pessoal ver essa juba..? =)

    beijo
    m

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  4. Quico, Coragem e Força na tua aventura... Grandes crónicas!!!
    Estamos contigo!!!
    Os outros sobrinhos do tio Pimenta e os pais

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